Em busca das árvores gigantes do Amapá

Por Victor Keller

7 de janeiro de 2025

Em outubro de 2024 a Geonoma participou do projeto “Using plant hydraulic scaling to predict the drought vulnerability of the world’s tallest tropical trees” (Usando o escalonamento hidráulico de plantas para prever a vulnerabilidade à seca das árvores tropicais mais altas do mundo), coordenado pelo Prof. Dr. Paulo Roberto de Lima Bittencourt, da University of Exeter, na Inglaterra. Este projeto ocorreu no Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, no Amapá, o maior Parque Nacional do Brasil, com mais de 3 milhões e meio de hectares de extensão, e os desafios para sua realização eram tão grandes quanto as árvores que encontraríamos pela frente.

O objetivo da Geonoma neste projeto era fazer o levantamento florístico e fitossociológico (estrutura e composição) das localidades onde ocorrem os indivíduos de angelim-vermelho (Dinizia excelsa Ducke) e outras espécies com exemplares gigantes, que podem atingir alturas entre 40 e 75 m, no interior do Parque. Para tanto, amostramos ao longo de um mês 5 parcelas de 100×100 m, totalizando uma área de 5 hectares em meio à floresta amazônica primária.

Por se tratar de uma área remota e um trabalho com metodologia complexa, que vai além de tomar as medidas padrão e identificar os exemplares arbóreos, o planejamento do trabalho começou meses antes de irmos a campo, contando com o apoio do Prof. Dr. Bittencourt e das equipes do ICMBio responsáveis pela gestão do parque, que auxiliaram principalmente nas questões logísticas para chegada da equipe de campo, dos materiais e alimentos para nos manter na base ao longo da execução do projeto.

Localização da base Jupará do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Para onde se olha, só se vê floresta.

 

O apoio dos gestores e técnicos do ICMBio também foi fundamental para compor a equipe de campo a partir de indicações de pessoas locais, que moram no entorno do Parque e que participam de diversos projetos de pesquisa e turismo no Parque. Assim, além de um grande conhecimento do Parque e seu entorno, a equipe de campo também possuía experiência em projetos de pesquisa com fauna e flora, o que foi de grande valor para a execução dos trabalhos com segurança e rigor técnico.

A equipe de campo era formada por dois exímios barqueiros, Alvino e Aldemir, também conhecido como Gigi, que serpenteavam os rios escapando das pedras que poderiam destruir os motores das lanchas para nos levar nas áreas de amostragem e buscar mantimentos em Sete Ilhas, o povoado mais próximo do Parque; as cozinheiras Patrícia e Rosana que faziam os melhores almoços e jantares do Tumucumaque e região, mantendo sempre a equipe alimentada e com energia para os desafios de cada dia; os escaladores Arielton, Carlindo, Daniel, Gabriel, Junho e Robson que não hesitavam em utilizar o equipamento de escalada e todas as suas habilidades para acessar as mais altas árvores e coletar seus ramos; o parabotânico Amerivaldo, grande conhecedor da flora local; e os biólogos Eduardo Saddi, responsável pelas identificações botânicas em campo e Victor Keller (Geonoma), responsável por tomar as medidas de altura, anotações e pela logística em campo. Além destes, estiveram em campo na primeira semana do trabalho o analista do ICMBio Christoph Jaster, antigo gestor do PN Montanhas do Tumucumaque que nos ofereceu enorme apoio na abertura de parcelas e no conhecimento da vegetação local, e o especialista sênior Geza Arbocz (Geonoma) que foi fundamental no preparo da logística pré-campo, e que ofereceu grande apoio com sua experiência em gestão de projetos e com seu profundo conhecimento botânico.

Equipe de campo composta por botânicos, escaladores, barqueiros e auxiliares.

 

Equipe em campo guardando os equipamentos de escalada no barracão montado na mata e se preparando para voltar para a base com um saco de coletas cheio de amostras botânicas.

 

O acesso à base Jupará do PN Montanhas do Tumucumaque, onde estávamos alojados, é feito a partir do Município de Serra do Navio, onde há uma base do ICMBio que dá apoio à operação no Parque. Saindo da base percorremos cerca de uma hora de estrada de terra para chegar ao porto de Sete Ilhas, onde carregamos as lanchas para seguir em direção ao Parque. O trajeto de barco leva cerca de uma hora e meia, sendo dificultado pelo baixo nível de água no rio Amaparí, fazendo com que em alguns pontos fosse necessário descer dos barcos para passar pelas corredeiras do rio. Neste caminho já era possível observar alguns indivíduos de angelim-vermelho se destacando na paisagem, o que aumentava nossa ansiedade e expectativa para ver de perto estes belíssimos exemplares da flora brasileira.

Ao chegarmos na base já foi possível ter uma pequena amostra da exuberância da vegetação que veríamos pela frente. Nosso alojamento era permeado por exemplares arbóreos que chamaram nossa atenção por seu grande porte e beleza. Na porção central, um exemplar de maçaranduba (Manilkara sp.) com mais de 40 m, ao lado um ipê-amarelo (Handroanthus serratifolius (Vahl) S.Grose) com a copa repleta de flores refletindo o amarelo do sol que brilha forte todos os dias. No caminho entre o trapiche e a base, um indivíduo de pequiá (Caryocar villosum (Aubl.) Pers.) que todas as manhãs formava um carpete de flores alvas em nosso caminho, e atrás do refeitório um exemplar de laranjinha (Martiodendron sp.) com raízes tabulares imponentes.

Adentrando a mata pela primeira vez para iniciarmos os trabalhos nos impressiona o porte e a densidade da vegetação. O porte, pela sua grandeza, com dossel a mais de 30 m de altura e exemplares emergentes ultrapassando esta marca com facilidade. A densidade, por outro lado, nos causa espanto pela distância entre os indivíduos arbóreos, formando um sub-bosque aberto, com a presença espaçada de pequenos arbustos, palmeiras (com destaque para a presença reconfortante e constante de exemplares do gênero Geonoma spp.) e arvoretas, sendo possível em alguns pontos correr pela mata sem ser incomodado por cipós, galhos ou arbustos. A baixa densidade arbórea nestas áreas é explicada justamente pelo grande porte dos indivíduos arbóreos, que ocupam extensas áreas com suas amplas copas facilitando nosso trabalho de deslocamento pela floresta.

Aspecto do sub-bosque, com baixa densidade de indivíduos, facilitando o deslocamento da equipe em campo.

 

Para a realização do levantamento fitossociológico, foi necessário primeiro abrir as parcelas de 1 ha e delimitá-las com canos de PVC tanto em seu limite externo como em seu interior, formando uma grade com sub-parcelas de 20×20 m. O critério de inclusão da amostragem foi de exemplares com Diâmetro na Altura do Peito (DAP) maior que 10 cm. A medida da altura dos exemplares arbóreos foi feita utilizando um Range Finder, aparelho eletrônico que calcula a altura das árvores através de um feixe de laser. Os exemplares arbóreos medidos foram plaqueados e tiveram sua localização marcada com aparelho de GPS.

A equipe de escalada foi fundamental para a realização das coletas de material botânico para identificação em campo e para compor os testemunhos das espécies inventariadas. Dado a grande riqueza de espécies observada nas áreas em estudo, os escaladores mal tinham tempo para descanso, subindo nas árvores toda vez que uma nova espécie aparecia no inventário. Diariamente foram coletados dezenas de materiais botânicos, com espécies novas no inventário aparecendo todos os dias, inclusive no último. Se por um lado é sempre muito interessante se deparar com esta grande riqueza e diversidade de espécies, com muitas novidades a cada dia, por outro, isso significava que ficaríamos ainda um bom tempo prensando plantas após um longo dia de campo. Apesar do cansaço, este era um momento de muito aprendizado, quando podíamos olhar com calma as espécies coletadas e estudar suas características para reconhecê-las em campo novamente.

Escalador Gabriel se aproximando da copa de uma árvore para coletar um ramo que servirá de testemunho da ocorrência desta espécie na área em estudo. Mesmo com treinamento de escalada e uso de todos os equipamentos de segurança, é preciso coragem.

 

Uma das poucas espécies que não apresentou dificuldade para seu reconhecimento em campo foi o angelim-vermelho, um dos principais objetos de estudo do projeto tocado pelo Prof. Dr. Bittencourt. Seus exemplares se destacavam na mata pelo seu porte enorme, com indivíduos variando entre 60 e 75 m de altura, troncos com diâmetro ultrapassando 2 m, indicando sua idade de centenas de anos, e uma casca com grandes placas avermelhadas que se destacavam como brasa em meio ao verde da vegetação. Curiosamente, um dos principais usos para a madeira do angelim-vermelho, além da construção civil, é a produção de carvão, principalmente para alimentar fornos de siderurgia, olarias, e, segundo nossos companheiros de equipe, capaz de segurar um churrasco por horas com apenas um pequeno pedaço de carvão.

Para além da beleza e exuberância, os exemplares de angelim-vermelho apresentaram um grande desafio para a tomada de suas medidas de diâmetro e altura. Em relação a altura, era sempre um desafio encontrar, tão alto sobre o dossel, os ramos mais elevados do indivíduo para que pudéssemos mirar o aparelho range finder e disparar o laser que nos daria o valor preciso da altura do indivíduo. Quanto ao diâmetro, os exemplares de angelim-vermelho apresentam raízes tabulares que, apesar de não tão frondosas quanto as de uma sumaúma, promovem uma deformação no tronco impedindo que pudéssemos medir o DAP padrão (a 1,3 do solo), sendo necessário subir em uma escada, chegando por vezes a mais de 6 m de altura no tronco e utilizando uma equipe munida de longas varas para auxiliar a passagem da fita métrica ao redor do tronco dos indivíduos.

Com quantas pessoas se mede um angelim-vermelho? Utilizamos uma escada para tentar escapar das sapopembas e o podão como vara para conduzir a fita métrica ao redor do tronco. São necessárias algumas pessoas.

 

Nem só de árvores se faz um levantamento. Eram gigantes e diversos os exemplares de lianas (cipós), que também foram medidos e incluídos no escopo do trabalho, apresentando caules com todos os tipos de cores e formatos, e copas que se perdiam sobre o dossel, sempre sobre os exemplares arbóreos mais altos presentes ao redor.

A parte final de nossa expedição envolvia a visita a duas parcelas que ficavam mais distantes do alojamento, sendo necessário percorrer cerca de meia hora de barco subindo o rio Amaparí. Durante este trajeto era possível observar diferentes exemplares da flora na beira do rio, em geral com flores e frutos diferentes e chamativos. Para além da flora, também avistávamos neste trajeto inúmeras aves como andorinhas, garças, tucanos, gaviões e araras que animavam nossa manhã. Em algumas vezes pudemos ser agraciados pela presença de um bando de macacos-de-cheiro que passeavam pelas árvores na beira do rio. Entretanto, um dos maiores espetáculos deste trajeto era a aproximação final do local onde estavam alocadas nossas parcelas. Ao fazer a última curva do rio, descortinava-se em nossa frente o ‘santuário dos angelins’, local com grande densidade de indivíduos de angelim-vermelho onde podíamos observar suas copas se destacando sobre o dossel da floresta, formando uma paisagem ao mesmo tempo imponente e exuberante, evidenciando toda a majestosidade destas árvores.

Rio Amaparí próximo ao local de amostragem das duas últimas parcelas. Ao fundo o ‘santuário dos angelins’ com suas copas se destacando muito acima do dossel.

 

Após um mês de campo, foram medidos 2381 indivíduos arbóreos em 5 ha amostrados, compreendendo 48 famílias, 127 gêneros e 423 morfotipos, parte deles já identificados e a maioria em processo de identificação pela consulta a herbários, especialistas nos diferentes grupos e consulta à literatura especializada. Acreditamos que nosso trabalho, junto ao que vem sendo desenvolvido pelo Prof. Dr. Bittencourt e seus colaboradores será de grande valor para auxiliar na compreensão da diversidade da flora amazônica, no entendimento da fisioecologia por trás do funcionamento hidráulico das árvores gigantes e como esta flora magnífica e exuberante irá responder às mudanças climáticas que estão em curso no planeta, podendo gerar subsídios que favoreçam a conservação destas espécies e paisagens majestosas e únicas.